Cientistas,
autores e especialistas em educação estão se reunindo neste fim de
semana, na Universidade de Cambridge, para investigar como o cérebro de
um adolescente é afetado ou alterado ao ler livros como “Crepúsculo” e
“Harry Potter” e outros livros que incitam respostas de emoções como
medo e ansiedade.

Edward Cullen altera o cérebro de um
adolescente? Esta é o tipo de conferência que eu gostaria de participar.
(eu tenho duas filhas adolescentes)
Acontece que, de acordo com a
organizadora da conferência interdisciplinar chamada “O adulto
emergente – Literatura e Cultura adolescente”, em ficções com temas
obscuros há realmente alterações, às vezes importantes, nos cérebros dos
adolescentes.
A conferência está reunindo cientistas, autores e
especialistas em educação com o objetivo de fazer conexões entre
recentes pesquisas na área da neurociência e a representação dos
adolescentes na literatura, filmes, jogos de computador e sites de
relacionamento. Os participantes estão procurando pelos efeitos
fisiológicos, psicológicos, químicos e sociológicos da literatura de
ficção adolescente, disse a organizadora Maria Nikolajeva, que é a
primeira diretora de pesquisa da Cambridge / Homerton e do Centro de
Treinamento para a Literatura infantil, que está dedicada a estudar a
mídia para crianças.
A tendência para a escuridão e a distopia na
literatura infantil reflete preocupações mais amplas, do mundo adulto,
disse Nikolajeva. Há centenas de anos livros para crianças eram
dominados com estórias sobre garotos tendo aventuras e garotas
encontrando maridos; então, de 1950 a 1970 os temas emergiram para a
sexualidade e conflitos familiares.
Dentro do cérebro
adolescente, as sinapses estão se alterando e se reformando e a química
continua mudando. Os adolescentes não podem tomar decisões da mesma
forma que os adultos, disse Nikolajeva, e ela concorda que autores,
cineastas e produtores de jogos têm a obrigação moral de assegurar que
seu trabalho tenha alguma ética positiva.
Para descobrir um pouco
mais, inclusive sobre o que os pais devem fazer, eu enviei um e-mail
para Nikolajeva. Aqui está a entrevista e se você tiver mais perguntas
que gostaria de fazer, por favor envie para mim no endereço:
theanswersheet@washpost.com.
Deixe-me começar perguntando o
seguinte: os cérebros das crianças realmente mudaram depois que leram
“Crepúsculo” ou “Harry Potter”? O significa esta mudança neste contexto?
Nós
sempre soubemos que o contato com a arte e a literatura afeta nossos
sentidos. Sentimos prazer, tristeza, medo, ansiedade, pesar. Nós nos
solidarizamos com as personagens. Com elas, aprendemos sobre nós mesmos e
sobre outras pessoas. O que sabemos hoje da neurociência é que há áreas
no cérebro, que são responsáveis por esses sentimentos, onde é possível
identificar partes afetadas pela leitura ou ao assistir a um filme. O
cérebro de um adolescente passa por uma mudança rápida e significativa; e
tudo que o afeta deixa marcas profundas. Ficções muito sombrias criam e
ampliam um senso de insegurança, o que é típico da adolescência; mas
também pode ser uma libertação, quando os leitores “dividem” suas
experiências pessoais com as personagens fictícias. Então sim, todos os
cérebros de leitores são alterados depois que lêem um livro, mas os
cérebros dos adolescentes são especialmente perceptivos e, com isso,
vulneráveis.
Que tipo de “marcas profundas”? Profundo significa duradouro?
Sim, tanto duradouro como profundo na mente.
Sobre
a noção de vulnerabilidade: existe a possibilidade que uma ‘dieta’
exclusiva deste tipo de material afete negativamente alguns
adolescentes?
Definitivamente. Aqui entra a questão da
responsabilidade. Escritores que escrevem diretamente para o público
jovem deveriam, em um mundo ideal, serem muito cuidadosos com o que eles
dizem. Exatamente porque para os cérebros dos adolescentes a capacidade
para julgamentos ainda não está totalmente formada. Em outras palavras,
eles podem construir ideias erradas. Não porque são burros, mas porque o
cérebro está em desenvolvimento. Porque eles são social e
emocionalmente instáveis. O chamado cérebro social está sendo formado
durante a adolescência. Crianças pequenas, presumidamente, fazem e
acreditam no que lhes é dito para fazer. Os adolescentes já começam a
pensar por eles mesmos, eles questionam, eles duvidam.
O que
as pesquisas modernas sobre o cérebro nos dizem sobre as diferenças
entre os cérebros dos adultos e das crianças enquanto lemos?
Até
agora são emoções básicas: prazer, sofrimento, medo. Mas os leitores
adolescentes podem ficar extremamente engajados com o que eles lêem, por
exemplo, “se apaixonar” por personagens fictícios. Mais uma vez, não
porque são burros, mas porque tanta coisa está acontecendo no cérebro
(sinapses sendo desenvolvidas, outras conexões sendo feitas etc) que
tudo fica confuso, como se você estivesse assistindo a 10 filmes ao
mesmo tempo. A propósito, os adolescentes fazem isso – talvez não
assistam a 10 filmes, mas ouvem música, conversam, blogam, asssitem,
lêem, tudo ao mesmo tempo. Com os adultos é tudo mais tranqüilo. Sendo
adultos nós podemos tomar distância daquilo que lemos ou vemos. Para os
adolescentes tudo é real e próximo.
Qual é a melhor pesquisa que nos diz sobre como as crianças lêem nas telas vs. no papel?
Há
vários trabalhos na conferência com relação a esta questão, e opiniões
diferentes. Alguns dizem que não importa se lemos textos lineares
(tradicional, textos impressos) ou não lineares, visuais ou multimídia.
Alguns estão preocupados que a habilidade para leitura tradicional está
desaparecendo. A melhor pesquisa está começando agora (a investigar)
esses assuntos. Elas são especiais porque lidam com valores educacionais
tradicionais.
Pesquisas sérias deveriam estar a parte do pânico
moral. Há muito que estudar, não apenas através da neurociência. O que
nós realmente sabemos é que jovens que não tem o inglês como língua
materna têm habilidades consideravelmente melhores em inglês por causa
da mídia social. Eles simplesmente precisam ser capazes de ler e
escrever. Isto também pode ser uma verdade na linguagem das crianças.
Como a conferência foi organizada? Fale um pouco sobre o foco em diferentes assuntos.
A
ideia da conferência é ter uma discussão de aprendizado ativo, então os
trabalhos circularam com antecedência, e haverá grupos com palestrantes
e mesas comentando sobre os trabalhos dos participantes. O ponto
principal é interagir as disciplinas, então um especialista em
literatura, um psicólogo e um sociólogo devem se reunir em uma mesma
sessão (ao invés de colocar todos os trabalhos de psicologia em uma
mesma sessão). Há trabalhos feitos com adolescentes reais e fictícios e
adolescentes virtuais (por exemplo, blogs). E uma variedade de assuntos
tópicos, como identidade, sexualidade, engajamento social, gênero. E
também arte, música, mídia e cultura popular.
Há também a mistura
de aprendizados estabelecidos e iniciantes, e uma boa mistura
internacional -- 20 países. O objetivo principal, para mim, é fazer
conexões. Tudo começou quando um colega de faculdade me disse: “E o que você
sabe sobre adolescentes?” Então decidi que precisávamos falar uns com
os outros entre as diversas disciplinas e dividir o que sabemos.
A
ideia que as crianças se apaixonam por personagens fictícios é muito
verdadeira. Eu já vi isso acontecer. Mas qual é o perigo nisso? Isso
pode afetá-los em relação à realidade de uma maneira negativa?
Sim,
porque personagens fictícios não são como pessoas reais; normalmente –
não sempre – eles são menos complexos, mais previsíveis, o comportamento
pode ser impulsionado mais pelo enredo que pela motivação psicológica, e
isso pode ser muito confuso para os jovens. Especialmente na cultura
popular onde todas as garotas são bonitas e os garotos, fortes e
bonitos. Literatura e arte não são imagens diretas da realidade, e você
precisa ser um leitor / espectador maduro para entender a realidade
ficcional. Uma jovem garota que se apaixona por uma personagem literária
pode ter problemas com relacionamentos sociais na vida real.
Por favor, fale um pouco sobre a tendência na literatura para os jovens.
Bem,
isso poderia levar algumas horas. Ficção para jovens é sobre uma
situação entre a infância e a maturidade. A infância acabou, mas ela era
segura e simples. A idade adulta é sedutora, mas incerta e estranha. O
corpo muda de maneira imprevisível. A mente está fora de controle. Nada é
estável. Há regras a serem quebradas e limites a serem testados.
O
relacionamento com os pais e familiares é crucial. Mas o certo é que,
com poucas exceções, romances juvenis são escritos por adultos. Então
eles não são, na verdade, sobre o que é ser adolescente, mas o que
deveria ser, já que, talvez inconscientemente, os adultos queiram
instruir os jovens e guiá-los à idade adulta. Então as imagens da
adolescência em ficções juvenis são imagens que os adultos gostariam que
os adolescentes acreditassem. Esta é uma ferramenta ideológica muito
poderosa.
Romances juvenis têm sucessivamente explorado vários
assuntos da adolescência, começando com a sexualidade nos anos 60 e
depois morte, suicídio, identidade sexual, anorexia etc. Hoje a
tendência mais proeminente é a distopia, possivelmente porque o mundo é o
que é hoje, mas também porque colocar um adolescente em uma situação
extrema é um bom conselho pedagógico e narrativo. “Hunger Games” é um
bom exemplo. Mas ficção para adolescentes sempre foi mais sombrio e
escuro que a literatura para crianças mais jovens.
O que os pais poderiam/deveriam fazer em relação à permissão das crianças lerem material sombrio?
Nada.
As crianças sempre encontrarão maneiras de acessar materiais que os
adultos querem esconder deles, e com a internet não há controle sobre o
que eles acessam. Então é importante deixar que os jovens sejam expostos
a todos os tipos de literatura e cultura, escura e clara, séria e
divertida; e é sempre uma boa ideia conversar com as crianças sobre o
que elas leram, assistiram ou escutaram. Muitos adultos hoje lêem os
mesmos livros que os adolescentes: “Harry Potter”, “His Dark Materials”,
“Crepúsculo” e muito mais – é a chamada literatura intermediária. Os
pais e professores e as crianças podem conversar entre si, dividir suas
experiências de leitura. Isso é o melhor que podemos fazer. A pior é
proibir ou restringir.
Fonte: WashingtonPost via TwilightTeam